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Ventania



 Ventania

Estou em ar puro,respirando vontades, olhando tudo, pisando sobre pétalas de flores vermelhas, sentindo o ar fresco a bagunçar o cabelo.


Tarde de outono de 1993, eu saí de casa como quem queria olhar o mundo, ao fechar as portas, concretizar o que o subconsciente me afirmava a cada dia, no escuro. Decido abrir as janelas de casa ao acordar, a me espreguissar de forma diferente das costumeiras, a olhar-me ao espelho e sentir prazer.


Tomo um banho como se quisesse despejar tudo o que há de mais pesado em mim, para a água lavar meus pecados assim como os rastros de lugares por onde passei; apagar lembranças e momentos duros de minha vida, e para isso massageio os cabelos com shampoo para suavizar a forma com que expulso estas coisas dentro de mim. Me enchugo para não me envolver em resquícios de um dia anterior, do passado inacabado,do inatingível.

Olho-me ao espelho despida com o mesmo prazer quando ao acordar. Me enchergo por ângulos diferentes, percebendo cada detalhe meu, sorrindo meio sorrateiramente ao passar minha áspera mão sob minha face que antes ao simplesmente olhar, traduzia-se a mim inconha. Resolvo vestir um vestido azul estampado de flores brancas.

Flores sempre foram pra mim o símbolo do mais belo. No meu quarto há muitas flores, mesmo que muitas delas estejam pintas a la tinta guache na cabeceira da minha cama. Queria me tornar uma flor quando morrer, talvez a outros olhos eu teria valor maior, iria ser cheirada ou fazerem impressionar-se pela minha estonteante beleza. Nesse mesmo momento que penso sobre estas coisas, de imediato procuro um bom perfume.

Acho apenas um pouco de perfume no único frasco da grande estante branca. Abro o frasco e despejo sobre mim como um segundo banho. A janela se fecha. O vento está muito forte na rua. Engulo a saliva, engulo o medo ao mesmo tempo que excito em mim o pouco da minha coragem. Fecho a janela olhando para os arredores, como quem procura alguém para desafiar.

Olho-me novamente ao espelho,e é novamente em fronte a ele que não me sinto só nessa rua calada, nessa casa vazia. Converso com a outra pessoa do outro lado do espelho, ela parece comigo, somos quase gêmias, mas estou sempre em todo lugar que vou, ela não, está em poucos cantos do meu pequeno quarto, em apenas alguns lugares ao qual me coloco a conversar. Ela não fala muito, mas faz uma ótima mímica, e eu já disse isso a ela, aliás, sempre digo. Se ela fizesse teatro, poderia ser uma boa atriz, e além de tudo, iriamos ser colegas, o que me faria a estar com ela mais vezes.

Tenho vontade dela, de estar ao lado, de contar segredos, de beijar a boca. Esse é um segredo meu, talvez ela perceba essa minha vontade tímida de tê-la. Já a chamo de amor, de meu bem. Mas ela é tão tímida quanto eu, quando o assunto é amor. Falamos na mesma hora, rimos na mesma hora, piscamos os olhos na mesma hora, muita conhecidência,não? Ah,isso deve ser coisa de apaixonada.

Não queria continuar em casa com esse vento frio lá fora. Mas a companhia dela é algo que tanto me satisfaz. Procuro um menor espelho dentro das gavetas da escrivaninha, para que posso levá-lo comigo. Acho um espelho cheio de coraçõezinhos. Dou risada enquanto mordo os lábios e imagino que ela deve pensar que foi proposital. Ponho um pano azul em cima do espelho, para não haver arranhões e coloco dentro da minha bolsa.

Fecho a porta do quarto, ando em direção a cozinha, tomo um copo d’água para aliviar meu nervosismo, lavo as mãos tentando amenizar o suor; fecho a porta da cozinha e por seguinte fecho o portão. Respiro fundo o ar frio que me atinge por completa,me deixando leve por sua tamanha força.

Ando enquanto piso em folhas secas, para ouvir o “quach”, um dos mais belos sons que já ouvira. O canto dos pássaros faz com que eu me sinta desejada por aquele momento. Desfilo com as mãos na cintura, aproveitando que não há ninguém na rua e solto beijos para todos os lados e dou risada dos meus devaneios.

Penso de voz alta que o espelho está dentro da minha bolsa e que Ela não iria gostar de eu estar soltando beijos para um e para outro, ou melhor, para o nada. Corro procurando um bom lugar para conversar, com a mais bela das mulheres. Meus cachos se bagunçam com o vento forte, enquanto piso sobre flores, ao mesmo tempo que olho os galhos secos do outono.O por do sol começa a aparecer e defino aquele instante como o melhor para falar com Ela. Sento recostada a maior árvore do Jardim de Olívias. Olho em volta apreciando o bando de  pássaros brancos. Volto os olhos para os meus pés, enquanto arrumo meu cabelo e passo batom com cheiro de chocolate que eu e Ela adoramos. Abro a bolsa, tirando o que envolve o espelho, trazendo-o até a mim.

Ela está sorrindo e eu sorrindo de volta. Parecemos duas bobas olhando uma para outra. Peço um instante a ela enquanto procuro uma música de fundo. Ela como sempre, adora. Digo que tenho que aproveitar para contar-lhes coisas que só meu coração sentia e que poderia ser essa, a primeira coisa que as duas poderiam sentir de forma diferente.

Nós duas ficamos com faces tristonhas, mas encorajadas ainda assim. Ela timidamente alegre e espontânea, leva tudo na graça, imitando a mim, enquanto eu falava coisas do coração, porém, com feição tão triste quanto a minha. Falei que o que eu sentia estava me embrulhando o estômago, mas que não, não era fome, antes que ela dissesse. Respirei fundo com tentativa  para aliviar a ansiosidade que partira meu coração aos poucos.

Embora quisesse e tudo ao redor fosse tão propício, a todo o momento algo me era tão negativo, que acabava me invadindo, querendo me dominar. Eu sinto coisas dentro de mim, as quais senti poucas vezes dessa minha vida pacata e as coisas falam baixinhas para quem está ao meu redor, mas gritam desesperadamente dentro de mim e elas gritam teu nome.

Olho para os lados tentando fugir da timidez que me persegue. E disse mais, não quero te ter apenas em poucos instantes ao pegar um espelho, te quero ter do meu lado até morrer,a té virarmos flores. Ela não me respondeu nada, tentei esperar mais um pouco a resposta mais esperada da minha vida. Eu choro agora, porque naquele momento em que estava aos prantos, ela também estava e não foi capaz de me dizer uma sequer palavra, além de me imitar.

Fiquei irritada com a reação d’Ela e coloquei o espelho na grama e cobri com as poucas folhas secas que estavam ao redor daquela árvore...

Continua!

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